22 junho, 2009

301 - Pessoas

Foto: Shark

LÚBRICA

Quando a vejo, de tarde, na alameda,
Arrastando com ar de antiga fada,
Pela rama da murta despontada,
A saia transparente de alva seda,

E medito no gozo que promete
A sua boca fresca, pequenina,
E o seio mergulhado em renda fina,
Sob a curva ligeira do corpete;

Pela mente me passa em nuvem densa
Um tropel infinito de desejos:
Quero, às vezes, sorvê-la, em grandes beijos,
Da luxúria febril na chama intensa...

Desejo, num transporte de gigante,
Estreitá-la de rijo entre meus braços,
Até quase esmagar nesses abraços
A sua carne branca e palpitante;

Como, da Ásia nos bosques tropicais
Apertam, em espiral auriluzente,
Os músculos hercúleos da serpente,
Aos troncos das palmeiras colossais.

Mas, depois, quando o peso do cansaço
A sepulta na morna letargia,
Dormitando, repousa, todo o dia,
À sombra da palmeira, o corpo lasso.

Assim, quisera eu, exausto, quando,
No delírio da gula todo absorto,
Me prostasse, embriagado, semimorto,
O vapor do prazer em sono brando;

Entrever, sobre fundo esvaecido,
Dos fantasmas da febre o incerto mar,
Mas sempre sob o azul do seu olhar,
Aspirando o frescor do seu vestido,

Como os ébrios chineses, delirantes,
Respiram, a dormir, o fumo quieto,
Que o seu longo cachimbo predileto
No ambiente espalhava pouco antes...

Se me lembra, porém, que essa doçura,
Efeito da inocência em que anda envolta,
Me foge, como um sonho, ou nuvem solta,
Ao ferir-lhe um só beijo a face pura;

Que há de dissipar-se no momento
Em que eu tentar correr para abraçá-la,
Miragem inconstante, que resvala
No horizonte do louco pensamento;

Quero admirá-la, então, tranqüilamente,
Em feliz apatia, de olhos fitos,
Como admiro o matiz dos passaritos,
Temendo que o ruído os afugente;

Para assim conservar-lhe a graça imensa,
E ver outros mordidos por desejos
De sorver sua carne, em grandes beijos,
Da luxúria febril na chama intensa...

Mas não posso contar: nada há que exceda
A nuvem de desejos que me esmaga,
Quando a vejo, da tarde à sombra vaga,
Passeando sózinha na alameda
Camilo Pessanha

4 comentários:

XICA disse...

Mas tu trabalhas de emprêtada?
Ou tudo ou nada!
Joca e por hoje tem avondo

Susete Evaristo disse...

Este achei-o delicioso e mesmo mesmo a condizer.
Êmpretada nã éi mas é o que dá a fêra do livro, ósado, aqui ó péi da porta.

shark disse...

Gosto muito do poema. Quase nem reparei na foto...
:)

Susete Evaristo disse...

Eu calculei que gostasses e que até te dissesse alguma coisa, como, como se fosses tu a escreve-lo.
E a foto, é que dava mesmo com as transparências de que fala o poema.