28 abril, 2008

163 - Barcos no Tejo

Foto: Shark inho
Tenho uma janela

Tenho uma janela
que dá para o mar
barcos a sair
barcos a entrar
tenho uma janela
que dá para o mar
sonhos a partir
sonhos a chegar
tenho uma janela
que dá para o mar
um fio de fumo
uma sombra além
uma história antiga
um cantar de vela
um azul de mar
tenho uma janela
que seria bela
seria mais bela
que qualquer janela
janela fosse ela
de Lua ou de estrela
ou qualquer janela
de qualquer escola
se não fosse aquele
pescador já velho
que anda pela praia
a pedir esmola
barcos a sair
barcos a entrar
chego-me à janela
e não vejo o mar.

(Mário Castrim)

162 - Sardinheiras

Foto: Shark inho
AS ÁRVORES E OS LIVROS

As árvores como os livros têm folha
se margens lisas ou recortadas
e capas (isto é copas) e capítulos
de flores e letras de oiro nas lombadas

E são histórias de reis, histórias de fadas,
as mais fantásticas aventuras,
que se podem ler nas suas páginas,
no pecíolo, no limbo nas nervuras.

As florestas são imensas bibliotecas,
e até há florestas especializadas,
com faias, bétulas e um letreiro
a dizer: «Floresta das zonas temperadas».

É evidente que não podes plantar
no teu quarto, plátanos ou azinheiras.
Para começar a construir uma biblioteca,
basta um vaso de sardinheiras.

(Jorge Sousa Braga)

161 - Lis(boa) todos os dias

Foto: Shark inho

Aurora Boreal

Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto,
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto.

Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar.

Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.

Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto.

Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.

Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas,
e o sonho afaga e embala,
à semelhança das ondas.

Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa,

e o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio
a que se chama poesia,

e a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade,

e o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro
que se olham obliquamente,
arrepiados de medo,

todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes.

Oh janelas do meu quarto,
que vos pudesse rasgar
Com tanta janela aberta
falta-me a luz e o ar.

(António Gedeão)

27 abril, 2008

160 - Barcos no Tejo

Foto: Shark inho

Barcos no Tejo

Cá no alto do castelo
Está S. Jorge a dominar
Olha o Tejo com desvelo
A vê-lo correr pró mar
Vejo as velas tão branquinhas
Barquinhos a deslizar
Os barcos são alfacinhas, e não vão
Não vão pró mar
Barcos do Tejo
P’lo rio afora
Eu bem os vejo
Namorar Lisboa
Iguais as velas
Que deram fama
Às caravelas
De Vasco da Gama
Barcos do Tejo
A navegar
Que eu bem os vejo
Olhando pró mar
Barcos do Tejo
Velas à vela
São filigrana de Lisboa
Nobre e tão bela
Destas muralhas com glória
Cá no alto do castelo
Deito os olhos pró Restelo
E oiço falar a história
Velas ao vento
Tal qual as que vês lá em Belém
Mostraram ao mundo quem
E o valor de Portugal

23 abril, 2008

159 - Um rio

Foto: Shark inho

Entrei no café com um rio na algibeira
e pu-lo no chão,
a vê-lo correr
da imaginação...
A seguir, tirei do bolso do colete
nuvens e estrelas
e estendi um tapete
de flores
a concebê-las.
Depois, encostado à mesa,
tirei da boca um pássaro a cantar
e enfeitei com ele a Natureza
das árvores em torno
a cheirarem ao luar
que eu imagino.
E agora aqui estou a ouvir
A melodia sem contorno
Deste acaso de existir
-onde só procuro a Beleza
para me iludir
dum destino.

José Gomes Ferreira

20 abril, 2008

158 - O Meu rio chama-se Tejo

Foto: Shark inho

Não ser eu

Eis aqui o Mundo em arcos.
Sob as pontes, sobre os barcos.
Viagem, curva no espaço
Que em abismos se desata.
Pelo rio canta a prata
Da branca deusa ofegante…

Sem convés e sem mirante,
De que aproveita o instante?

Eis aqui o Mundo em arcos.
Curva e nuvem, recta e espelho.
Eis aqui, humanos arcos.
Comigo o esboço é desfeito.
Não ser outra, nem ser eu
Me solicita e constrói.
Voo em silêncios abertos.
Não ser, dentro da corola.
Ser só na sombra que rola,
No som que não se detém.

Só desejo não ser eu
Na vida que em mim se ateia.
Ser outra, noutra prisão?
Ser, numa outra cadeia?

Nem que os deuses me oferecessem
Mil rostos de água e areia
Para um destino gelado
De mar, pérola ou sereia,
Nem assim diria: - Ámem!

Não ser eu é que está bem
Não ser eu, nem ser ninguém.


(Natércia Freire)

157 - Lis(boa) todos os dias

Foto: shark inho

MUSICA

Loira Lisboa, amolecida e calma,
Com vitrines de sol pelos passeios
E as avenidas com passeios de almas.

As tardes castas. E nas sombras mansas
Nem há crianças
A brincar na rua.

Céu rosado, menino, Céu de bruços,
A escutar os soluços
Da terra morna e nua.

Nas matas presas pelas sombras finas
Ninguém achou as sinas
Traçadas no chão brusco…

Nem os olhos das casas, aos domingos,
Espreitando ao lusco-fusco…

Erguida a noite sobre o chão brilhante
- As estações morreram com a nortada –
Não há pomba, nem luz , nem viajante,
Que pare na pousada.

Nas praças largas a abraçar fantasmas
Ficaram os pedintes de amargor.
Pés brancos, enterrados pela água,
E as mãos pendentes, pelo Céu sem cor.

Entre a música eterna da saudade
Os rios vão de corações abertos.
Ao longe,
Búzios a chorar jardins.
Ao perto,
Estátuas a sonhar desertos.

(Natércia Freire)

156 - O meu rio chama-se Tejo

Foto: Shark inho

Tempos de Mocidade (extracto)

Fui à fonte para te ver
Ao rio para te falar,
Nem na Fonte nem no rio
Te fui capaz de encontrar.

(José Henriques Félix)


14 abril, 2008

155 - Candeeiro

Foto: Shark inho
Candeeiro
(extracto)

Candeeiro da esquina
Não te apagues, por favor!
Pelo menos à noitinha
Quero ver o meu amor.

Não me deixes às escuras
Te peço por caridade!
Eu venho de muito longe
Não conheço a cidade
……………………….

(Maria de Lurdes Pereira)

03 abril, 2008

154 - Eternidade

Foto: Shark inho

Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.
Minha alma imortal,
Cumpre a tua jura
Seja o sol estival
Ou a noite pura.
Pois tu me liberas
Das humanas quimeras,
Dos anseios vãos!
Tu voas então...
— Jamais a esperança.
Sem movimento.
Ciência e paciência,
O suplício é lento.
Que venha a manhã,
Com brasas de satã,
O dever
É vosso ardor.
Ela foi encontrada!
Quem? A eternidade.
É o mar misturado
Ao sol.
(Rimbaud)

01 abril, 2008

153 - Menina estás à janela

Foto: Shark inho

Menina estás à Janela

Menina estás à janela
com o teu cabelo à lua
não me vou daqui embora
sem levar uma prenda tua

Sem levar uma prenda tua
sem levar uma prenda dela
com o teu cabelo à lua
menina estás à janela

Os olhos requerem olhos
e os corações corações
e os meus requerem os teus
em todas as ocasiões

Menina estás à janela
com o teu cabelo à lua
não me vou daqui embora
sem levar uma prenda tua

Sem levar uma prenda tua
sem levar uma prenda dela
com o teu cabelo à lua
menina estás à janela
(Do cancioneiro Popular)