27 agosto, 2008

228 - Estrada

Foto: Charquinho

Estrada

Não era noite nem dia.
Eram campos campos campos
abertos num sonho quieto.
Eram cabeços redondos
de estevas adormecidas.
E barrancos entre encostas
cheias de azul e silêncio.
Silêncio que se derrama
pela terra escalavrada
e chega no horizonte
suando nuvens de sangue.
Era hora do poente.
Quase noite e quase dia.
E nos campos campos campos
abertos num sonho quieto
sequer os passos de Nena
na branca estrada se ouviam.
Passavam árvores serenas,
nem as ramagens mexiam,
e Nena, pra lá do morro,
na curva desaparecia.
Já de noite que avançava
os longes escureciam.
Já estranhos rumores de folhas
entre as esteveiras andavam,
quando, saindo um atalho,
veio à estrada um vulto esguio.
Tremeram os seios de Nena
sob o corpete justinho.
E uma oliveira amarela
debruçou-se da encosta
com os cabelos caídos!
Não era ladrão de estradas,
nem caminheiro pedinte,
nem nenhum maltês errante.
Era António Valmorim
que estava na sua frente.
— Ó Nena de Montes Velhos,
se te quisessem matar
quem te haverá de acudir?
Sob este corpete justinho
uniram-se os seios de Nena.
— Vai te António Valmorim.
Não tenho medo da morte,
só tenho medo de ti
Mas já noite fechava
a saída dos caminhos.
Já do corpete bordado
os seios de Nena saíam
— como duas flores abertas
por escuras mãos amparadas!
Aí que perfume se eleva
do campo de rosmaninho!
Aí como a boca de Nena
se entreabre fria fria!
Caiu-lhe da mão o saco
junto ao atalho das silvas
e sobre a sua cabeça
o céu de estrelas se abriu!
Ao longe subiu a lua
como um sol inda menino
passeando na charneca…
Caminhos iluminados
eram fios correndo cerros.
Era um grito agudo e alto
que uma estrela cintilou.
Eram cabeços redondos
de estevas surpreendidas.
Eram campos campos campos
abertos de espanto e sonho…
(Manuel da Fonseca)

227 - Sem segredos

Foto: Charquinho

O Segredo do Mar

A “Flor do Mar” avançando
Navegava, navegava,
Lá para onde se via
O vulto que ela buscava.

Era tão grande, tão grande
Que a vista toda tapava.

E Bartolomeu erguido
Aos marinheiros bradava
Que ninguém tivesse medo
Do gigante que ali estava.

E mais perto agora estão
Do que procurando vão!

Bartolomeu que viu?
Que descobriu o valente?
- Que o gigante era um penedo
que tinha forma de gente?

Que era dantes o mar? Um quarto escuro
Onde os meninos tinham medo de ir.
Agora o mar é livre e é seguro
E foi um português que o foi abrir.

Afonso Lopes Vieira, Obra Poética (séc. XX)

26 agosto, 2008

226 - Meu Alentejo querido

Foto: Charquinho

Meu Alentejo fadista

Meu Alentejo fadista
De beleza inquietante
Para quem te sabe ver...
O teu perfil intimista
Tem a côr insinuante
Da mais bonita mulher

O teu sol acolhedor
Estrela de luz e côr
Tem sempre um calor real
E quando a noite acontece
O teu luar nos parece
Um poema natural
Meu Alentejo, meu berço
Eu apenas me conheço
Quando te canto num fado...
Ao compasso da saudade
Eu quero que a tua idade
Seja um poema encantado.


(José Fernandes Castro)

225 - O Parque Infantil

Foto: Charquinho

Memória da infância

É a memória a saborear o tempo
como se eu estivesse instalado num baloiço
e sentisse o chão da minha infância deslizar pelo corpo
a imagem que eu tenho para o tempo
é uma repetição do meu pensamento
um movimento de palavras que em nada se fixa
um regresso sempre a um ponto fixo
o nó para além das pontas que o realizam

se quero falar do tempo
tenho esta imagem do baloiço a partir da minha memória
consciência condenada a uma realização temporal

e o que eu compreendo é um rasto de viagem primitiva
o corpo que filma o próprio movimento esbate-se contra o solo
o baloiço é o desenho da minha existência.

25 agosto, 2008

224 - Bolas de sabão

Foto: Charquinho

As Bolas de Sabão


As bolas de sabão que esta criança
Se entretém a largar de uma palhinha
São translucidamente uma filosofia toda.
Claras, inúteis e passageiras como a Natureza,
Amigas dos olhos como as cousas,
São aquilo que são
Com uma precisão redondinha e aérea,
E ninguém, nem mesmo a criança que as deixa,
Pretende que elas são mais do que parecem ser.
Algumas mal se vêem no ar lúcido.

São como a brisa que passa e mal toca nas flores
E que só sabemos que passa
Porque qualquer cousa se aligeira em nós
E aceita tudo mais nitidamente.
(Alberto Caeiro)

223 - Arte Portuguesa: Azulejos

Foto: Charquinho

Azulejo

Azulejos da cidade
numa parede ou num banco,
são ladrilhos da saudade
vestida de azul e branco
Bocados da minha vida
todos vidrados de mágoa,
azulejos, despedida
dos meus olhos, rasos de água.
À flor dum azulejo, uma menina;
do outro, um cão que ladra e um pastor.
Ai, moldura pequenina,
que és a banda desenhada
nas paredes do amor.
Azulejos desbotados
por quanto viram chorar.
Azulejos tão consados
por quantos viram passar.
Podem dizer-vos que não,
podem querer-vos maltratar:
de dentro do coração
ninguém vos pode arrancar.
À flor dum azulejo, um passarinho,
um cravo e um cavalo de brincar;
um coração com um espinho,
uma flor de azevinho
e uma cor azul luar.
À flor do azulejo, a cor do Tejo
e um barco antigo, ainda por largar.
Distância que já não vejo,
e enche Lisboa de infância,
e enche Lisboa de mar.
(Ary dos Santos)

22 agosto, 2008

222 - Rosas

Foto: Charquinho

As rosas

As rosas amo dos jardins de Adónis,
Essas volucres amo, Lídia, rosas
Que em o dia em que nascem,
Em esse dia morrem.
A luz para elas e eterna, porque
Nascem nascido já o Sol, e acabam
Antes que Apolo deixe
O seu curso visível.
Assim façamos nossa vida um dia,
Inscientes, Lídia, voluntariamente
Que há noite antes e após
O pouco que duramos
(Ricardo Reis)

221 - A cor das borboletas

Foto: Sharkinho

Passa uma borboleta

Passa uma borboleta por diante de mim
E pela primeira vez no Universo eu reparo
Que as borboletas não têm cor nem movimento,
Assim como as flores não têm perfume nem cor.
A cor é que tem cor nas asas da borboleta,
No movimento da borboleta o movimento é que se move,
O perfume é que tem perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas borboleta
E a flor é apenas flor.
(Alberto Caeiro)

220 - Regressar ao Paraíso

Foto: Sharkinho

Ser La Serpiente

Si pudiera regresar al Edén
A pesar de los ángeles y sus espadas de fuego
Y se me diera a escoger qué personaje encarnar en la tragedia,
Quisiera ser la serpiente.
Conocedora de los secretos de la fruta prohibida,

Lasciva en su mansa postura de espectadora del pecado,
Prefiero ser la serpiente,
Que amó a Eva en su prístina belleza,
A Adán en su tonta inocencia
Y probó a Aquel que no nos atrevemos a nombrar,
Que todos somos falibles,
Cuando hizo al hombre poseer el objeto de su deseo
Fundido a la medida de sus más umbrosas fantasías.
Quiero, sí, ser la sabia serpiente,

Porque sin ella no habría historia que contar,
Más allá de un jardín abúlico,
Semejante a una pecera de peces aburridos.
Sería, definitivamente, ese monstruo antiguo,
Retador del Divino Alquimista,
Que vio partir, cabizbajos, a los amantes,
Y a Dios marchar a su exilio, allá arriba,
Tratando de olvidar los labios de su Eva.
Porque, no sé si lo recuerdan- a
veces estos detalles pasan inadvertidos -:
Ella quedó, sonriente,
Viéndolos retirarse de la escena,
Eternamente invasora,
Propietaria definitiva,
Del Jardín que todos añoramos.
Marié Rojas Tamay

20 agosto, 2008

219 - Lisboa de madrugada

Foto: Sharkinho


Madrugada em Alfama



Mora num beco de Alfama
e chamam-lhe a madrugada,
mas ela, de tão estouvada
nem sabe como se chama.
Mora numa água-furtada
que é a mais alta de Alfama
e que o sol primeiro inflama
quando acorda à madrugada.
Mora numa água-furtada
que é a mais alta de Alfama.
Nem mesmo na Madragoa
ninguém compete com ela,
que do alto da janela
tão cedo beija Lisboa.
E a sua colcha amarela
faz inveja à Madragoa:
Madragoa não perdoa
que madruguem mais do que ela.
E a sua colcha amarela
faz inveja à Madragoa.
Mora num beco de Alfama
e chamam-lhe a madrugada;
são mastros de luz doirada
os ferros da sua cama.
E a sua colcha amarela
a brilhar sobre Lisboa,
é como a estátua de proa
que anuncia a caravela,
a sua colcha amarela
a brilhar sobre Lisboa.

David Mourão-Ferreira

218 - O sorriso das crianças

Foto: Charquinho

O teu riso

Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.
Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.
A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.
Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.
À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosada minha pátria sonora.
Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.
Pablo Neruda

217 - Para além de tudo

Foto: Shark

ALÉM DA TERRA, ALÉM DO CÉU

Além da Terra, além do Céu,
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastro dos astros, na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar,
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos! vamos conjugar o verbo fundamental
essencial, o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar,
o verbo pluriamar,
razão de ser e de viver.
Carlos Drummond de Andrade

216 - Rio Sado

Foto: Sharkinho

O rio

Seja o tempo qual for,
é sempre novo,
nas margens livres
e entre os duros cais.
Na mata ou avançando pelas ruas,
tem boiantes pudores fluviais.
Nada mais de uma vez ele reflete,
deixando a coisa refletida atrás.
Tange a si mesmo o rio, pois de suas
águas nenhuma gota se repete.
Mauro Mota

215 - Companheiro Gato

Foto:Sharkinho

Companheiro

Quero deixar-me longe.
Separar-mede mim.
Abandonar-me.
Ser-me estranho.
Parto, mas, onde chego,
me reencontro.
Despeço-me de novo
e me acompanho.
(Mauro Mota)

214 - Aquela casa

Foto: Sharkinho

A casa

Debruço-me de fora
onde havia a janela.
Nuvem ou casa extinta?
Lá estou como eu era.
Que pássaro imigrante
Pousa na cumeeira?
Que neblina umedece
as paredes aéreas?
Quem me chama ou me leva
quando o espaço transponho?
Só verde das heras
sobre as vozes e o sonho.
Mauro Mota

213 - Sapatos velhos

Foto: Sharkinho

Os Sapatos

Nos cemitérios urbanos
vamos sepultando os passos,
passos jamais repetidos,
uns certos, outros em falso,
(todos diminuem a viagem,
que os roteiros diferentes
vão dar na mesma estalagem.)
Ó sapatos soluçantes
molhados (da água da chuva?)
dançamos no tempo gasto
a valsa lenta de abril,
defronte, as sandálias brancas,
mais brancas e imóveis hoje.
Recordo as noites distantes
quando pisáveis no oitão,
leve, leve, parecia
que nem tocáveis no chão,
vinha a moça de cabelos
soltos e abria o portão,
Dos longos caminhos dantes
só ficaram sete palmos.
Serei o moço calçado,
De olhos abertos, confiantes,
Em novos itinerários
Dos sapatos soluçantes.

(Mauro Mota)

212 - Mulher

Foto: Sharkinho

Canção de Mulher e Tempo

Guiomar, para onde foste?
Te procuro noite e dia
:sobejos de canto e falas
e o cheiro na ventania.
No verde morno do Janga
os rastros de espuma fria.
Bolem no azulejo as sombras
enxutas das mãos na pia.
(Jeito de corpo estremece
no lençol que te cobria.)
Guiomar, para onde foste?
Te procuro noite e dia.
Só não te acho a ti mesma
no mistério da agonia:
Sumidas cores e carnes
(camuflada autofagia).


Mauro Mota

19 agosto, 2008

211 - Depois da ceifa

Foto: Charquinho

Restolho

Geme o restolho, triste e solitário
a embalar a noite escura e fria
e a perder-se no olhar da ventania
que canta ao tom do velho campanário

Geme o restolho, preso de saudade
esquecido, enlouquecido, dominado
escondido entre as sombras do montado
sem forças e sem cor e sem vontade

Geme o restolho, a transpirar de chuva
nos campos que a ceifeira mutilou
dormindo em velhos sonhos que sonhou
na alma a mágoa enorme, intensa, aguda

Mas é preciso morrer e nascer de novo
semear no pó e voltar a colher
há que ser trigo, depois ser restolho
há que penar para aprender a viver

e a vida não é existir sem mais nada
a vida não é dia sim, dia não
é feita em cada entrega alucinada
pra receber daquilo que aumenta o coração
....................................................................
Mafalda Veiga

210 - Margem esquerda

Foto: Charquinho

Margem Sul

Ó Alentejo dos pobres
Reino da desolação
Não sirvas quem te despreza
É tua a tua nação

Não vás a terras alheias
Lançar sementes de morte
É na terra do teu pão
Que se joga a tua sorte

Terra sangrenta de Serpa
Terra morena de Moura
Vilas de angústia em botão
Doce raiva em Baleizão

Ó margem esquerda do Verão
Mais quente de Portugal
Margem esquerda deste amor
Feito de fome e de sal

A foice dos teus ceifeiros
Trago no peito gravada
Ó minha terra morena
Como bandeira sonhada

Terra sangrenta de Serpa
Terra morena de Moura
Vilas de angústia em botão
Doce raiva em Baleizão

Urbano Tavares Rodrigues

209 - Como pássaros sobre o rio

Foto:Sharkinho

É estranho

É estranho que, após o pranto
vertido em rios sobre os mares,
venha pousar-te no ombro
o pássaro das ilhas, ó náufrago.

É estranho que, depois das trevas
semeadas por sobre as valas,
teus sentidos se adelgacem
diante das clareiras, ó cego.

É estranho que, depois de morto,
rompidos os esteios da alma
e descaminhado o corpo,
homem, tenhas reino mais alto.
Henriqueta Lisboa

208 - Lis(boa) todos os dias

Foto: Sharkinho

Lisboa

Chamar-te a ti, Lisboa, camarada,
e depois, eu sei lá, enlouquecer.
Que a loucura é quase um grão de nada
e tu tens um nome de mulher.

Ou dizer que és a minha namorada.
Devagar. Não vá alguém saber
que fizemos amor de madrugada
e tu trazes um filho por nascer.

Se eu inventar de noite a liberdade
de poder beijar-te os olhos e morrer,
no teu ventre não há fado nem saudade
mas apenas os filhos que eu fizer.

E pode ser que eu guarde a tempestade
de ter que aqui ficar. E então dizer
que sobre a minha boca ninguém há-de
pôr rosas de silêncio, se eu quiser.

Joaquim Pessoa

207 - Entre o Tejo e Odiana

Foto: Charquinho

Écloga de Jano e Franco

Dizem que havia um pastor
entre Tejo e Odiana,
que era perdido de amor
per ua moça Joana.
Joana patas guardava
pela ribeira do Tejo,
seu pai acerca morava
e o pastor, do Alentejo
era, e Jano se chamava.

Quando as fomes grandes foram,
que Alentejo foi perdido,
da aldeia que chamam o Torrão
foi este pastor fugido.
Levava um pouco de gado,
que lhe ficou doutro muito
que lhe morreu de cansado;
que Alentejo era enxuito
d’água e mui seco de prado.

Toda a terra foi perdida
no campo do Tejo só
achava o gado guarida:
ver Alentejo era um dó!
E Jano , para salvar
o gado que lhe ficou,
foi a esta terra buscar;
e um cuidado levou,
outro foi ele lá achar.

O dia que ali chegou
com o seu gado e com o seu fato,
com tudo se agasalhou
em ua bicada de um mato.
E levando-o a pascer,
o outro dia, a ribeira,
Joana acertou de ir ver,
que andava pela beirado
Tejo a flores colher.

Vestido branco trazia,
um pouco afrontada andava;
fermosa bem parecia
aos olhos de quem a olhava.
Jano , em vendo-a, foi pasmado;
mas, por ver que ela fazia,
escondeu-se antre um prado;
Joana flores colhia
Jano colhia cuidado
Bernardim Ribeiro

18 agosto, 2008

206 - O Mar

Foto:Sharkinho

A Ver o Mar

Foi assim, como ver o mar
A primeira vez que os meus olhos se viram no seu olhar
Não tive a intenção de me apaixonar
Mera distração e já era momento de se gostar
Quando eu dei por mim nem tentei fugir
Do visgo que me prendeu dentro do seu olhar
Quando eu mergulhei no azul do mar
Sabia que era amor e vinha pra ficar
Daria prá pintar todo azul do céu
Dava prá encher o universo da vida que eu quis prá mim
Tu...do que eu fiz foi me confessar
Escravo do teu amor, livre para amar
Quando eu mergulhei fundo nesse olhar
Fui dono do mar azul, de todo azul do mar
Foi assim, como ver o mar
Foi a primeira vez que eu vi o mar
Onda azul, todo azul do mar
Daria pra beber todo azul do mar
Foi quando eu mergulhei no azul do mar
.......................................................................
Flávio Venturini e Ronaldo Bastos

205 - Pele Vermelha

Foto: Sharkinho

Ser Índio

É ter no sangue o amor
À sua raça
É não esconder a própria
Identidade
É ter um pedaço de terra
É pertencer a uma massa.
É não padecer na desgraça
É então sobreviver
É devolver ao seu povo a
Paz e a justiça, em meio às ameaças.
Ser índio
É preservar a natureza
Sem explorar a mãe-terra
É tentar conservar
Toda essa beleza!
Renilde Cavalcante Alves

204 - Azul sem fim

Foto : Sharkinho

Poema azul

O mar beijando a areia
O céu e a lua cheia
Que cai no mar
Que abraça a areia
Que mostra o céu
E a lua cheia
Que prateia
Os cabelos do meu bem.
Que olhar o mar beijando a areia
E uma estrelinha solta no céu
Que cai no mar
Que abraça a areia
Que mostra ao céu e à lua cheia
Um beijo meu.
- O mar sonoro, o mar sem fundo, o mar sem fim.
A tua beleza aumenta quando estamos sós.
E tão fundo, intimamente, a tua voz
segue o mais secreto bailar do meu sonho, que momentos há em
que eu suponho seres um milagre criado só pra mim.
Sérgio Ricardo

203 - Cacho de Uvas

Foto: Sharkinho


Sabedoria



Enquanto disputam os doutores gravemente
sobre a natureza
do bem e do mal, do erro e da verdade,
do consciente e do inconsciente;
enquanto disputam os doutores sutilíssimos,
aproveita o momento!


Faze da tua realidade
uma obra de beleza


Só uma vez amadurece,
efêmero imprudente,
o cacho de uvas que o acaso te oferece...
Ronald de Carvalho

202 - Na estrada

Foto: Sharkinho


Sou Camionista


Tenho muitos galhardetes, bonecos e bandeirinhas
Tenho muitos calendários com vaidades de maminhas
Tenho muitos amoletos p'ra que a estrada me ilumine
Tenho sonho, tenho cama, a minha casa é a cabine.


Sou camionista, sou o maior
Sou camionista, sou o maior
Tenho a minha auto-pista
Onde sou rei e sou cantor…


Tenho vinte e quatro rodas e cavalos p'ra puxar
Tenho um rolo de papel p'ra quando me quero assuar
Tenho duas tatuagens, muitas curvas por fazer
Uma diz amor de mãe, a outra diz talvez.


Tenho sono, tenho fome, mas nunca quero parar
Só não sei por que encosto quando vejo um polegar
Tenho braços bué da fortes que é p'ra agarrar no volante
Mas sinto logo uma fraqueza quando ligas o cantante.


Sou camionista, sou o maior
Sou camionista, sou o maior
Tenho a minha auto-pista
Onde sou rei e sou cantor…

Música ligeira portuguesa – Autor desconhecido

201 - Poema de Agostinho Neto

Foto: Sharkinho

Voz do sangue

Palpitam-me
os sons do batuque
e os ritmos melancólicos do blue
Ó negro esfarrapado do Harlem
ó dançarino de Chicago
ó negro servidor do South
Ó negro de África
negros de todo o mundo
eu junto ao vosso canto
a minha pobre voz
os meus humildes ritmos.
Eu vos acompanho
pelas emaranhadas áfricas
do nosso Rumo
Eu vos sinto
negros de todo o mundo
eu vivo a vossa Dor
meus irmãos.

(A renúncia impossível)


(Agostinho Neto)

200 - Pinba pumba, laranja, limão....

Foto: Shark inho
SALTO À CORDA

O cordão que nos abre
aos acres ventos de humidade e sombra,
a luva dura nos abriga
ou é que nos enforca, nos afoga?
Mal saltamos à terra,
dela nos soltam como às aves
da espécie das galinhas.
Mas o fantasma duma linha cinza,
esse nos fecha os olhos
e diz: saltai à corda.
E é questão então a de saber
se temos pés azuis
ou sangue negro e goma
que nos cape. O pé direito sobe,
oh, que vitória, no verdadeiro ar.
Mas que invisível fio
o puxa e traz à pequenez do outro?
Que terror canaliza
cada comparação? De que margem,
de que maresia mesmo o cheiro nos agrada?
Que pátria e que dolores?
Que malfeição?

(Um aceno insular
habita o nosso olhar.
Uma pílula pink
dá-se ao dente que a trinque.
E que ternura é esta,
rosa de sal, giesta,
serra aberta de pinhas
toque de campainhas?)
(Pedro Tamem, "Poemas a Isto")

16 agosto, 2008

199 - A Flor do Aloendro

Foto: Charquinho

Meu amor por quem parto. Por quem fico. Por quem vivo.
Teus olhos são da cor do sofrimento.

Amor-país.
Quero cantar-te. Como quem diz:

O nosso amor é sangue. É seiva. E sol. E primavera.
Amor intenso. Amor imenso. Amor instante.
O nosso amor é uma arma. E uma espera.
O nosso amor é um cavalo alucinante.

O nosso amor é um pássaro voando. Mas à toa.
Rasgando o céu azul-coragem de Lisboa,
Amor partindo. Amor sorrindo. Amor doendo.
O nosso amor é como a flor do aloendro.

Deixa-me soltar estas palavras amarradas
Para escrever com sangue o nome que inventei.
Romper. Ganhar a voz duma assentada.
Dizer de ti as coisas que eu não sei.
Amor. Amor. Amor. Amor de tudo ou nada.
Amor-verdade. Amor-cidade.
Amor-combate. Amor-abril.
Este amor de liberdade.

Joaquim Pessoa