31 dezembro, 2012

375 - Há sem duvida quem ame o infinito

Foto Shark


Há sem dúvida quem ame o infinito
Há sem dúvida quem deseje o impossível
Há sem dúvida quem não queira nada
Três tipos de idealistas e eu nenhum deles:
Porque eu amo o infinitamente finito
Porque desejo impossivelmente o possível
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser
Ou até se não puder ser.
Álvaro de Campos

28 dezembro, 2012

374 - Crepúsculo


Foto: Shark

CREPÚSCULO

A luz do dia empalidece,
O Sol mergulha no ocidente!
- Momento amargo para quem padece
E busca alivio ao coração doente!
Penas de amor são um tormento,
Mágoas somente o amor encerra,,,
- Um grande amor e um grande sofrimento
Vão sempre de mãos dadas pela terra!
Mas já de mil milhões de estrelas
O céu de Deus todo se abrasa...
- Vou esconder a mais brilhante delas
E edificar sobre ela a minha casa!
António Feijó

373 - Vaidosa

Foto; Shark

Vaidosa

Dizem que tu és pura como um lírio
E mais fria e insensível que o granito,
E que eu que passo aí por favorito
Vivo louco de dor e de martírio.

Contam que tens um modo altivo e sério
Que és muito desdenhosa e presumida,
E que o maior prazer da tua vida
Seria acompanhar-me ao cemitério

Chamam-te bela imperatriz das fátuas,
A déspota, a fatal, o figurino,
E afirmam que és um molde alabastrino
E não tens coração como as estátuas.

E narram o cruel martirológico
Dos que são teus, ó corpo sem defeito,
E julgam que é monótono o teu peito
Como o bater cadente de um relógio,

Porém eu sei que tu, que como um ópio
Me matas, me desvairas e adormeces,
És tão loira e doirada como as messes
E possuis muito amor ... muito amor próprio.
Cesário Verde 

372 - POST - SCRIPTUM

Foto: Shark

Quando eu morrer, abram-me o peito
E, desta jaula onde houve um leão,
Tirem, o cárcere era estreito,
Meu velho e altivo coração.

Depois, sem dó e sem respeito,
Sem um murmúrio de oração,
Lancem-no assim, vai satisfeito,
À vala obscura, à podridão.

Para que durma e se desfaça
no lodo amargo da Desgraça
Por quem bateu continuamente,

Como um tambor que entre a metralha
Estoira ao fim de uma batalha,
Rouco, furioso, ansioso, ardente!
Guerra Junqueiro

371 - Está o Lascivo e doce passainho


Foto Shark

Está o lascivo e doce passarinho
Com o biquinho as penas ordenando;
O verso sem medida, alegre e brando,
Despedindo no rústico raminho.

O cruel caçador, que do caminho
Se vem calado e manso desviando
Com pronta vista e seta endireitando
lhe dá no estígio lago eterno ninho

Destarte o coração, que livre andava
(Posto que já de longe destinado),
Onde menos temia foi ferido,

Porque o Frecheiro cego me esperava,
Para que me tomasse descuidado,
Em vossos claros olhos escondido.
Luiz de Camões

19 dezembro, 2012

370 - A Portuguesa (original e completo)


Foto: Shark

I
Herois do mar, nobre povo,
Nação valente, imortal,
Levantai hoje de novo
O esplendor de Portugal!
Entre as brumas da memoria,
Oh patria ergue-se a voz
Dos teus egrégios avós,
Que há-de guiar-te à vitória!

Às armas, às armas!
Sobre a terra, sobre o mar,
Às armas, às armas!
Pela patria lutar!
Contra os Bretões
marchar, marchar!

II
Desfralda a invicta bandeira,
À luz viva do teu céo!
Brade a Europa à terra inteira:
Portugal não pereceu!
Beija o teu sólo jucundo
O Oceano, a rugir de amor;
E o teu braço vencedor
Deu mundos novos ao mundo!

Às armas, às armas!
Sobre a terra, sobre o mar,
Às armas, às armas!
Pela patria lutar!
Contra os Bretões
marchar, marchar!

III
Saudai o sol que desponta
Sobre um ridente porvir;
Seja o eco de uma afronta
O sinal do resurgir.
Raios dessa aurora forte
São como beijos de mãe,
Que nos guardam, nos sustêm,
Contra as injurias da sorte.

Às armas, às armas!
Sobre a terra, sobre o mar,
Às armas, às armas!
Pela patria lutar!
Contra os Bretões
marchar, marchar!


Henrique Lopes de Mendonça

369 - Hino da Maria da Fonte


Viva a Maria da Fonte 
Com as pistolas na mão 
Para matar os cabrais 
Que são falsos à nação 

É avante Portugueses 
É avante sem temer 
Pela santa Liberdade 
Triunfar ou perecer 

Viva a Maria da Fonte 
A cavalo e sem cair 
Com as pistolas à cinta 
A tocar a reunir 

Já raiou a liberdade 
Que a nação há-de aditar 
Glória ao Minho que primeiro 
O seu grito fez soar

368 - Já não se encantarãoos meus olhos nos teus olhos




Já não se encantarão os meus olhos nos teus olhos,
Já não adoçará junto de ti a minha dor.
Mas para onde vá levarei o teu olhar
E para onde caminhes levarás a minha dor.
Fui teu, foste minha. O que mais? Juntos fizemos
Uma curva na rota por onde o amor passou.
Fui teu, foste minha. Tu serás daquele que te ame, 
Daquele que corte na tua chácara o que semeei eu.
Vou-me embora. Estou triste: mas sempre estou triste.
Venho dos teus braços. Não sei para onde vou.
…Do teu coração me diz adeus uma criança
E eu lhe digo adeus.

Pablo Neruda